De forma geral, nos últimos meses, a indústria de crédito privado tem sido uma forte ameaça aos ativos brasileiros, especialmente os títulos isentos de imposto de renda. Estes atraem investidores devido aos altos prêmios em comparação aos títulos do tipo IPCA+, indexados à inflação, que servem como referência.
Para se ter uma ideia, de acordo com um relatório recente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as emissões de debêntures atingiram R$ 206,7 bilhões no primeiro semestre deste ano, marcando o maior volume histórico para o período. Foram realizadas 289 emissões, das quais 73 superaram R$ 1 bilhão cada.
Infraestrutura dominou a emissão de títulos de crédito privado
Os setores de infraestrutura, incluindo energia elétrica, transporte, logística e saneamento, representaram 43,7% desse volume total.
Além disso, as emissões de certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) e do agronegócio (CRAs) também alcançaram volumes recordes, somando R$ 31,4 bilhões e R$ 19,4 bilhões, respectivamente.
Os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) registraram um recorde de R$ 34,3 bilhões em emissões.
Matheus Spiess, analista da Empiricus Research, atribui o volume recorde de emissões à intensa atividade dos fundos, que têm recebido entradas líquidas significativas.
“As recentes mudanças regulatórias em CRIs e CRAs ainda não foram totalmente absorvidas pelo mercado, sugerindo que os volumes poderiam ter sido ainda maiores”, explica.
Adicionalmente, especialistas apontam que as incertezas fiscais no país e as dúvidas sobre a política de juros nos EUA são barreiras principais para a recuperação da renda variável.
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O que explica o fluxo intenso para fundos de crédito privado?
Segundo Spiess, vários fatores explicam o robusto fluxo para fundos de crédito privado, especialmente os mais líquidos: “Primeiramente, os efeitos negativos dos casos Americanas e Light foram eliminados da janela de 12 meses a partir de março, melhorando a percepção de risco no mercado”.
“Além disso, os spreads começaram a se estreitar a partir de fevereiro, devido ao atraso no ciclo de corte de juros, ao efeito base de spreads elevados e ao efeito cascata, em que o fechamento dos spreads gerou mais retorno e, consequentemente, mais fluxo de capital”, acrescenta.
Ele ainda cita a migração contínua de recursos de outras classes de ativos. E impulsionada pelo desempenho inferior dessas classes, assim como a falta de opções atraentes ou mudanças regulatórias que afetam fundos exclusivos e isenções fiscais.
Por fim, o analista acredita que a tentativa de manter um risco reduzido nos portfólios recomendados também contribuiu para esse fluxo.
Abaixo, um gráfico ilustra como os fundos de crédito pós-fixados têm superado o CDI em diferentes períodos, mesmo considerando os diversos eventos de crédito desde janeiro de 2023.
Apesar dos desafios, o mercado de crédito no Brasil segue resiliente
Apesar dos desafios internos, o mercado de crédito no Brasil continua demonstrando resiliência. Após um aumento significativo nos índices de inadimplência em 2023, houve uma estabilização nas taxas para empresas. Já para as famílias, depois de uma acentuada queda, registrou-se um leve aumento recentemente.
“A conjuntura fiscal atual do Brasil, juntamente com a política monetária restritiva adotada no cenário internacional, sugere que a redução das taxas de juros no país pode ser mais lenta do que o esperado. Esse cenário aumenta a atratividade relativa dos ativos de crédito”, explica Spiess.
“Consequentemente, houve um fluxo contínuo de recursos para a renda fixa. Os fundos de crédito registraram captações líquidas de R$ 135,9 bilhões no segundo trimestre deste ano, um aumento de 33% em relação ao primeiro trimestre”.
Como podemos ver abaixo, desde fevereiro, esses fundos têm captado, em média, cerca de R$ 45 bilhões por mês.
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Mais recursos na renda fixa comprimiram os spreads em relação ao CDI
Segundo o analista, o fluxo intenso de recursos para a renda fixa intensificou a compressão dos spreads, uma tendência observada desde meados de 2023.
“No mês passado, essa dinâmica atingiu seu ponto mais crítico. A média simples dos spreads no mercado secundário em relação ao CDI caiu para o menor nível desde junho de 2022. No mercado de títulos atrelados ao IPCA, os spreads caíram para o nível mais baixo desde agosto de 2022″.
Esse patamar reduzido de spreads tem levado a uma maior seletividade na escolha de ativos pelos fundos, conta Spiess.
Em abril, apenas 65% das emissões foram absorvidas pelo mercado, percentual que caiu para 49% em maio e 37% em junho, o menor do ano.
“Esse cenário indica que, apesar do volume significativo de recursos direcionados para os fundos de crédito, os gestores desses fundos não estão satisfeitos com as taxas oferecidas atualmente. Os últimos dois meses sinalizam as dificuldades de captação com spreads tão comprimidos”, contextualiza.
Apesar disso, o mercado primário continua com um volume elevado de novas emissões e uma demanda aquecida. Especialmente por parte de assets, fundos de crédito privado e grandes bancos. Esses investidores institucionais permanecem interessados em papéis de alta qualidade de crédito, mesmo que os prêmios estejam mais apertados e até abaixo de alguns ativos de risco semelhantes no mercado secundário.
“Por outro lado”, diz Spiess, “alguns fundos estão fechando para novas captações, já que percebem que os prêmios atuais, especialmente para os papéis de alta qualidade (high grade), não oferecem uma relação risco-retorno atrativa. Isso pode levar a ajustes no segundo semestre”.
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