Existe um grande debate sobre a eficiência dos mercados, tanto sobre sua definição quanto sobre a verossimilhança da ideia. Felizmente, ainda gozo de faculdades mentais razoáveis e, portanto, tenho mais dúvidas do que respostas.
Estou certo de que afirmar o constante apreçamento correto dos ativos financeiros, como se eles descontassem a todo momento toda a informação relevante de maneira adequada, sem qualquer tipo de fricção, não encontra respaldo empírico. Mas também desconfio que isso não invalide o cerne da ideia. A hipótese de mercados eficientes pertence ao campo teórico, servindo de um modelo geral e exigindo capacidade de abstração.
Há várias situações em que os preços se descolam dos fundamentos estritos, seja por assimetria informacional, seja por restrições de liquidez, seja pelo carácter ciclotímico dos mercados e dos investidores.
Isso não quer dizer — e talvez esse seja o ponto essencial da história — que você possa dispor de uma regra para sistematicamente bater o mercado. A discussão está insuportavelmente polarizada também sobre esse tema. Ou o mercado é eficiente em 100% do tempo e em todos os aspectos, ou é completamente ineficiente. Onde perdemos as nuances?
O mercado pode ter suas ineficiências, muitas vezes anedóticas, e ainda assim não sermos capazes de nos apropriarmos delas de maneira consistente. Em resumo, o mercado me parece eficiente na maior parte das vezes e, quando ele fica ineficiente, não há uma lógica estrita para seu retorno à normalidade — talvez isso até seja um corolário lógico: se ele se afasta da eficiência, saímos do campo da total racionalidade; então, por que haveríamos de supor que ele retornaria ao normal seguindo um padrão estritamente racional?
“Onde você está vendo uma arbitragem normalmente existe um prêmio de risco”. Cansei de ouvir do meu orientador…
Não sei se pela trajetória acadêmica ou pelo histórico familiar (pouco importa), uma dúvida me persegue: por que a Bolsa brasileira performa tão mal? Veja: não estou falando deste mês, do ano ou dos últimos 24 meses… me refiro a intervalos longos mesmo.
Olha só: a Empiricus vai completar 15 anos de vida em 2024. Quando criamos nossa empresa, o Ibovespa estava em torno de 66 mil pontos. Dobrou num intervalo de 15 anos. Ele perde do CDI de goleada. Contra as NTN-Bs, a comparação é uma covardia. Se olharmos frente ao IFIX, no período de análise relativa possível, o índice de ações também fica bem atrás. O Ibovespa perde até da poupança! Estamos falando de um intervalo de 15 anos. É longo prazo sob qualquer ótica.
Alguns poderiam argumentar que o Ibovespa é uma medição ruim, muito concentrado em poucos nomes, como commodities e bancos ou telecomunicações no passado. Refaça o exercício para outros índices e, no geral, vai chegar à mesma conclusão. “Ah, mas tem alguns fundos de ações com retorno espetacular nesse intervalo.” Claro que tem. São os sobreviventes, a cauda direita de uma distribuição de probabilidade. A Bolsa é uma média. Alguns vão ter retorno excepcional. A probabilidade de você ser o Warren Buffett é baixíssima. Mas a probabilidade de existir um Warren Buffett no mundo (e até mesmo que ele tenha desfrutado de uma boa ajuda da aleatoriedade, o que não atesta contra sua competência) é bastante grande.
Quando você começa a estudar Finanças, logo nas primeiras aulas se depara com uma linha ascendente que relaciona retorno e risco. Faz sentido, não é mesmo? Se há um ativo de maior retorno e menor risco, todo mundo corre para comprá-lo. Seu preço aumenta e, rapidamente, seu retorno prospectivo diminui. A relação entre risco e retorno é uma decorrência da eficiência dos mercados.
Quando você vê a Bolsa brasileira com performance inferior à renda fixa, estamos desafiando uma questão elementar. Temos um ativo de maior risco e menor retorno. No longo prazo! Estamos numa situação de confronto à prescrição teórica clássica. Então, há três possibilidades:
1 — Os livros-texto de Finanças deverão ser reescritos, passando a conter um asterisco. “Um ativo de maior risco deve carregar maior retorno esperado, com exceção das ações brasileiras”.
2 — Os mercados brasileiros são estruturalmente ineficientes no apreçamento das ações. Elas são sistematicamente mais arriscadas do que a renda fixa mas rendem menos.
3 — Esse foi, embora longo, um período extraordinário, uma exceção para, à frente, recuperarmos toda essa performance negativa anterior.
Há várias hipóteses explicativas, mas nenhum consenso na literatura.
Na semana passada, participei do podcast Market Makers com Luiz Parreiras, gestor da Verde Asset. Em determinado momento, saí brevemente da posição de entrevistado para assumir como entrevistador. Perguntei a Parreiras por que, nos últimos anos, o fundo Verde tem rodado com uma posição em ações brasileiras inferior às suas origens, quando tinha cerca de 1/3 em Bolsa local.
Embora não tenha ficado claro ali, era minha curiosidade em torno do comportamento do Prêmio de Risco de Mercado (justamente quanto a Bolsa paga ou deveria pagar acima da Renda Fixa) se manifestando. Estava implícito pra mim que, se a Verde reduziu por anos sua posição em ações, tinha percebido, tácita ou formalmente, essa performance mais negativa da classe frente a alternativas. A pergunta também poderia ter sido: “por que a Bolsa deixou de ser tão interessante para vocês?” Ou, “o que vocês viram de pior nas ações brasileiras?”
Com mais didática e inteligência, Parreiras respondeu algo mais ou menos assim, encontrando três razões para a nova dinâmica:
- No passado, o PIB nominal brasileiro crescia cerca de 10% ao ano. Como o PIB acaba, mesmo grosseiramente, sendo uma proxy para o crescimento das receitas das empresas e as companhias listadas representam uma “nata” do capitalismo local, o faturamento das firmas na Bolsa crescia bem, quase por osmose. Assim, se fizesse seu dever de casa e controlasse as despesas, o lucro de uma companhia listada crescia, nominalmente, cerca de 20% com alguma facilidade. Estava praticamente contratada uma alta das ações.
- Os juros no Brasil sempre foram muito altos. Só conseguia rodar acima do seu custo de capital uma companhia extremamente eficiente (ou, e isso está na minha conta: aquela pertencente ao núcleo dos amigos do rei; no país do incentivo, um subsídio aqui ou ali garante o retorno do acionista). Isso criava monopólios ou oligopólios. A Selic veio caindo, o capital ficou mais acessível, a capacidade de competir, no geral, aumentou (embora as condições de negócio ainda sejam sofríveis). Os monopólios e os grandes conglomerados econômicos, a maior parte listada em Bolsa, agora enfrentavam concorrência. Isso reduz sua lucratividade e derruba as ações do incumbente, cujo peso nos índices de ações é grande.
- Foi percebido que o crédito no Brasil tinha um desempenho melhor em termos de risco e retorno. A classe rendia basicamente tão bem (ou até melhor) do que as ações e com uma fração da sua volatilidade. Então, cerca de 15% anteriormente destinado à renda variável passou a ir para o crédito. Hoje, as ações brasileiras representam cerca de 15% do portfólio. Se somarmos os 15% do crédito, chegamos basicamente nos 30% anteriores destinados à Bolsa.
Essa foi só uma palhinha do episódio. Vale a pena ouvi-lo na íntegra. Todos nós devemos deferências à Verde, que ajudou a moldar o mercado de capitais brasileiro. Por isso, foi uma honra dividir aquela bancada.
Num mercado dominado por sábios formados em cursos de trading de final de semana, será muito difícil ensinar truques velhos a cães novos. Ainda assim, nunca cansaremos de tentar.
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