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Não estamos no México, nem no Dilma 2

“Voltamos ao Brasil de um passado não tão distante, onde uma postura fiscal excessivamente expansionista demandava uma política monetária mais rígida, gerando pressão sobre a dívida pública e custos maiores para alcançar o equilíbrio entre crescimento e inflação.”

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“Com previsão de Selic a 13%, gestor vê risco de dinâmica parecida com a de 2013 e 2014.”

Retirei os dois trechos da Exame Insight, sob o comando da ótima Natalia Viri. Há uma tentação grande para traçar paralelos da atual situação brasileira com aquela vivida no Dilma 2. Embora algumas analogias de fato possam ser feitas, sobretudo porque a direção guarda alguma semelhança, a comparação me parece bastante imprecisa. O resultado das eleições municipais corrobora o argumento.

Mais até do que isso, a dinâmica do pleito alinha-se com precisão àquilo que tenho chamado de “pacto fáustico brasileiro”. Caso os três leitores tenham perdido a edição passada desta newsletter ou tenham a memória prejudicada por substâncias nem sempre recomendadas para uma manhã de segunda-feira, retomo brevemente a proposta:

Se não fizermos nos próximos meses o necessário ajuste fiscal, ainda haverá um consolo. Se formos pelo caminho negativo, teremos de conviver por mais um ano com a deterioração dos prêmios de risco e piora institucional. A partir daí, entraremos no grande debate de 2026, quando o sentimento anti-establishment e a migração da população mais para a direta devem fazer a sua parte. Um pacto desse tipo nunca é agradável. Mas a oferta envolveria mais um ano e três meses de sofrimento para posteriores nove anos potencialmente bons.

É bastante tentador.

No cenário bom, começamos a controlar os gastos agora e surfamos valuations muito baratos e um cenário internacional bastante favorável.  O kit Brasil inicia imediatamente uma escalada vigorosa.

Já no cenário ruim, teríamos um para perder, nove para ganhar, num ciclo ditado pela migração do pêndulo político para a responsabilidade fiscal, o respeito aos contratos, a valorização do empreendedor, a obediência à sinalização do sistema de preços e um maior esforço institucional. 

Pode estar aí um belo trade. Vai exigir paciência e sangue frio. Mas é um pacto que paga bem lá na frente.”

Avaliações econômicas e financeiras que se amparam em questões político-partidárias são costumeiramente acusadas de carregar vieses, ainda que o observador esteja ciente do risco e procure blindar-se dos próprios vícios e inclinações pessoais. Viés é um negócio meio parecido com subsídio ou privilégio — todo mundo reconhece, mas sempre no outro.

Apelemos então à imprensa tradicional ou, melhor ainda, aos dados objetivos. Se você abrir o site do jornal Valor Econômico, do Grupo Globo, acusado pela direita dia-sim, dia-também, de estar à esquerda no espectro ideológico, vai ler a manchete: “força da reeleição e marcha para a direita marcam a disputa municipal deste ano”. 

O quadro abaixo é um bom resumo:

Os partidos do chamado Centrão e mais alinhados à direita dominaram a disputa, tendo inclusive avançado sobre a eleição de 2020. 

A força da direita fica mais nítida quando se destaca o contingente das capitais. Extraindo um trecho da própria reportagem: “O PL reelegeu os prefeitos de Maceió (João Caldas) e Rio Branco (Tião Bocalom) e passou para o segundo turno em primeiro lugar em outras sete capitais. A sigla ainda disputa a rodada decisiva em João Pessoa e Belém. Caso reverta a desvantagem nessas duas cidades e confirme a dianteira nas demais, poderá ganhar a eleição em 11 capitais, resultado muito além das previsões mais otimistas do cacique da legenda, Valdemar Costa Neto.”

E se ainda resta dúvida sobre as dificuldades da esquerda, vale observar que o falecido PSDB obteve sucesso em 269 prefeituras, mais do que os 246 municípios de êxito do PT. Chegamos a um oxímoro: qual seria a condição daquele com menos vitalidade ainda do que um morto?

O resultado traz também como grandes vencedores Gilberto Kassab e Tarcísio de Freitas. O governador de São Paulo foi para o “all in” em Ricardo Nunes, mesmo quando havia enorme incerteza em torno do pleito. Ganha forças para uma eventual disputa presidencial em 2026, sendo potencialmente o principal antagonista elegível ao lulopetismo.

As eleições municipais representam uma importante diminuição de risco para os mercados brasileiros (risco aqui entendido como chance de perda permanente do capital).

Numa perspectiva histórica, eleições municipais não são necessariamente boa proxy para os pleitos presidenciais subsequentes, mas costumam ser ótimos indicadores antecedentes para a composição seguinte do Parlamento. Ou seja, há boa probabilidade de que o Congresso a ser formado em 2026 esteja mais à direita. Com isso, explico o que quero dizer com a parte do título deste texto de “Não estamos no México”, onde a eleição de uma presidente de esquerda com um Legislativo também de esquerda trouxe forte pressão vendedora sobre o peso mexicano e sobre seus mercados em geral. Por lá, investidores antecipam deterioração fiscal, maior intervencionismo na economia, queda da produtividade geral dos fatores e uma perversa reforma do Judiciário.

Já foi dito que se a Argentina tivesse um Centrão não teria ido por um caminho tão ruim. Talvez o mesmo paralelo sirva para o México. No Brasil, o Centrão, que traz o malefício de impedir-nos um grande progresso, evita também rupturas, explosões, grandes desastres e aventuras não-testadas de revoluções cujo resultado sabe-se lá no que daria. Ter um Congresso conservador (no sentido de que conserva as instituições e organizações correntes) representa a diminuição do risco de cauda, de uma grande deterioração de Brasil semelhante à observada no México ou mesmo na era Dilma.

Então chegamos à outra parte do título: Lula 3 não é o Dilma 2, embora, sejamos justos, possa haver certa semelhança. A primeira razão é simples: Lula não é Dilma. Essa é muito mais convicta e inflexível, aquele é macunaímico. Fernando Haddad também não é Guido Mantega e tem se esforçado heroicamente para o cumprimento das metas fiscais, ainda que sob grande desconfiança sobre a credibilidade dessa meta e temores de liderar o Exército de um homem só num governo mais interessado no pé na tábua fiscal. Já Marcos Pinto oferece boa analogia com a dupla Marcos Lisboa e Daniel Goldberg, secretários do Lula 1 com longa lista de reformas microeconômicas mais silenciosas, mas com impacto interessante sobre a produtividade brasileira. Os interessados no assunto podem se atualizar a partir da reportagem “Microrreformas já têm efeitos na economia e podem elevar PIB”, diz secretário de Haddad, publicada na Folha em 27 de setembro.

Ainda que a política fiscal seja frouxa, haja certa elasticidade contábil excessiva e tenhamos uma espécie de restauracionismo estatista em curso, a modulação agora é diferente da anterior. A diferença entre o remédio e o veneno muitas vezes é a dose. Não há hoje uma orientação desmedida da mesma intensidade da nova matriz econômica. Mal ou bem, existe um arcabouço fiscal que limita grandes rompantes. O Congresso é conservador. E temos grande escrutínio das contas fiscais pela imprensa, pelo tecido empresarial e pela sociedade como um todo.

Existe ainda outra restrição importante para impedir que estejamos numa guinada semelhante à de 2014: o tempo. O livro “Uma certa ideia de Brasil: entre passado e futuro” faz uma bela coleção dos artigos de Pedro Malan entre 2003 e 2018. Ali está claro como a deterioração da qualidade da política econômica brasileira, embora recaia muito sobre as costas da ex-presidente Dilma, tem sua origem já quando da substituição de Antonio Palocci por Guido Mantega. O que vem a ser conhecido por nova matriz econômica pelos idos de 2011 teve suas sementes plantadas já em 2006. A crise brasileira vai eclodir mesmo em 2015. Foram nove anos (não nove meses!) de gestação.

Agora, se a alta probabilidade da “marcha à direita” se confirmar em 2026, teríamos um rali eleitoral contratado já para 15 meses à frente. Até lá, por mais que as coisas se deteriorem, dado o cenário internacional favorável de corte de juros pelos principais Bancos Centrais e estímulos pronunciados na China, parece haver tempo suficiente para empurrarmos as coisas com a barriga e não explodirmos o fiscal, sobretudo porque o arcabouço fiscal e um Congresso conservador impedem grandes rupturas.

Talvez tenhamos contratado um ciclo construtivo longevo, sendo que as eleições de ontem oferecem um conforto de reduzir o downside, porque o cenário de cauda mais negativo perdeu probabilidade. A assimetria é bastante convidativa.

O post Não estamos no México, nem no Dilma 2 apareceu primeiro em Empiricus.

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