No mês passado, continuamos a sugerir um “engajamento construtivo” com a bolsa americana enquanto notamos que estamos vivendo um momento “samba de uma nota só” com a crescente concentração do mercado na NVIDIA.
E o mês de junho acabou vendo uma oscilação positiva do S&P 500 em 3,5%, fechando o semestre em 14,5%. Mais uma vez, a NDVIDIA foi o centro das atenções.
Depois da divulgação do seu último resultado trimestral, mais uma vez superando as já altas expectativas do mercado, e o anúncio do desdobramento da ação, a NVIDIA chegou a subir 43% para um novo pico (virando a empresa mais valiosa do mundo), respondendo por 43% do resultado positivo do índice NASDAQ para o período. Logo depois a NVIDIA cai 13%, mas recupera e acaba fechando o mês em alta de 12,7%.
Dado a crescente – e como notamos no mês passado perigosa- concentração na NVIDIA e no tema da inteligência artificial (AI), acho que vale a pena resumir o recente debate sobe o tema, onde algumas vozes estão avisando que o “ciclo AI” tem peculiaridades que podem torná-lo mais arriscado que os últimos ciclos de transformações tecnológicas.
Uma das vozes mais céticas é o economista da MIT Daron Acemoglu (bem conhecido pelo seu livro “Why nations fail?”).
Ele argumenta que o AI deve ajudar a aumentar a eficiência de um conjunto relativo restrito de atividades, tendo dificuldades com “interação com o mundo real”. Ele cita alguns estudos recentes sobre os prováveis efeitos do AI sobre o crescimento da economia americana e chega à bastante modesta expectativa de um aumento de somente 0,9% do PIB nos próximos dez anos.
Ele também não acredita que vamos ver um tipo de “scaling law”, ou crescimento exponencial, da tecnologia. Os LLMs atuais performam muito bem na sua atividade principal, mas aumentar o tamanho dos modelos ou colocar mais dados para seu treinamento não deve expandir o escopo das suas atividades.
Outra voz cética é o chefe de pesquisas globais de ações da Goldman Sachs, Jim Covello. Em recente relatório (que também tem a entrevista com Acemoglu), ele diz que o custo extremamente alto de desenvolver e aplicar modelos AI implicam que eles têm que resolver “problemas complexos” para justificar seus custos. Ele estima que devemos ver US$1 trilhão de investimentos na tecnologia, e pergunta que tipo de problemas tem que ser resolvido para gerar um retorno positivo.
Covello diz que muitos comparam as novas tecnologias AI com o início da internet, mas essa comparação não procede: as tecnologias da internet dos anos 90 eram bem baratas, e assim poderiam concorrer com os então incumbentes (ele menciona a Amazon vendendo livros mais barato que a Barnes & Noble).
Também nos anos 90 a concorrência na indústria de chips levou a uma contínua queda de custos. Hoje, com a posição monopolista da NVIDIA, e o fato que não há concorrentes viáveis no horizonte, implica uma dinâmica concorrencial bem menos aguda, com “superlucros” para NVIDIA (e a ASML) e preços altos todos.
Fora a questão de custos, ele (como Acemoglu) não vê as LLMs atingindo um escopo maior de aplicações para justificar os custos elevados. Ele afirma que 18 meses depois da apresentação do “generative AI”, não há um claro “use case” ou “killer app” para nova tecnologia.
Isso não quer dizer que ele acha que o tema deve ser “vendido”: o risco que a tecnologia pode apresentar uma aceleração de performance, e a forte posição das “hyperscalers” como GOOG, AMZN e MSFT para continuar a investir, implica que o estouro da bolha AI (e ele acha que estamos vivendo uma bolha) não está imediatamente no horizonte.
Mas ele alerta: se os compradores dessas tecnologias não começarem a demonstrar retornos sobre seus investimentos nos próximos 12 a 18 meses, o entusiasmo atual será cada vez mais difícil de sustentar.
Há bons argumentos contra o pessimismo de Acemoglu e Covello, mas achei mais relevante resumir essas visões pessimistas já que o otimismo é o que está precificado pelos mercados.
Como Covello, não vejo essas questões como impeditivas para a continuidade do bom momento das bolsas americanas, mas algumas consequências devem ser notadas.
Os ganhos devem continuar a ficar concentrados no grupo atual de “winners”: empresas como NVIDIA e ASML com suas posições monopolísticas; os “hyperscalers” que tem, ao mesmo tempo, os recursos para investir e a capacidade e disciplina gerencial de entregar resultados (ou cair fora rápido se de fato não o houver – pense na META mais ou menos abandonando o metaverse); e as empresas fornecedoras da principal matéria prima desses modelos: energia elétrica.
O resto da bolsa ficará estruturalmente mais barata e exposta a fatores cíclicos (especialmente a política monetária). Há muito debate sobre em quais cenários esses fatores e setores “esquecidos” devem performar relativamente melhor, e é verdade que nesses últimos anos fatores como “value” têm tido seus breves momentos de melhor performance, mas honestamente não vejo possibilidade de uma mudança estrutural no ranking de performance até que o mercado comece a seriamente questionar a temática AI (isso dito, o eventual início do ciclo de queda de juros deve levar a uma performance melhor de “value” e “small caps”).
Entro no novo semestre com uma postura mais cuidadosa. Acho que o risco político da eleição está pouco ou precificado (já tratamos o porquê uma vitória do Trump representa um choque inflacionário, restringindo o tamanho do ciclo de queda de juros).
Depois do desastroso debate da semana passada para Biden, nossa já longa convicção que Trump é o favorito para ganhar a eleição foi obviamente reforçada, o que pode antecipar a precificação deste cenário, algo que normalmente aconteceria muito mais próximo à eleição.
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