Renúncia de João Pedro Nascimento marca virada na CVM e ativos digitais
João Pedro Nascimento deixou a presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 18 de julho de 2025, exatamente três anos após assumir o cargo. A decisão antecipada foi atribuída a “motivos de ordem pessoal”, conforme nota oficial divulgada pelo órgão. Contudo, o impacto institucional e regulatório da sua saída vai além do comunicado, principalmente no que diz respeito à agenda entre CVM e ativos digitais.
Durante sua gestão, Nascimento priorizou a modernização do mercado de capitais e a inclusão dos ativos digitais na pauta regulatória. Foram editadas 70 resoluções, sendo 30 delas apenas em 2024. Entre os destaques, está a Resolução CVM 175, que reformulou o marco dos fundos de investimento, além da Resolução CVM 214, que instituiu o FIAGRO Multimercado para o agronegócio, e a Resolução CVM 232, que simplificou a entrada de pequenas empresas no mercado de capitais.
Apesar disso, a ausência de recursos financeiros e humanos limitou a atuação do órgão. Em entrevista ao Valor Econômico, o ex-presidente reconheceu que a CVM operava com “a conta do chá”, indicando o desafio de manter uma estrutura eficaz diante de um cenário orçamentário restrito.
CVM e ativos digitais: avanços e desafios
Sob o comando de Nascimento, a CVM e ativos digitais tornaram-se temas centrais. A autarquia lançou o Parecer de Orientação CVM 40, que estabeleceu diretrizes claras sobre o enquadramento de criptoativos como valores mobiliários. Essa orientação criou uma taxonomia para os tokens, classificando-os como de pagamento, utilidade ou referenciados, como tokens lastreados em recebíveis ou NFTs.
O parecer deixou explícito que tokens com características de valor mobiliário – como expectativa de lucro e esforço de terceiros – estariam sujeitos à regulação da CVM. Assim, a transparência e a responsabilidade dos emissores passaram a ser obrigatórias.
Além disso, os ofícios CVM/SSE 04/2023 e 06/2023 forneceram orientações técnicas sobre ofertas públicas com tokens. O Ofício 04/2023 reforçou que tokens de renda fixa deveriam seguir exigências regulatórias. Já o Ofício 06/2023 esclareceu quando operações com ativos digitais configuram contratos de investimento coletivo.
Em complemento, a Resolução CVM 88/2022 atualizou o marco de crowdfunding, permitindo que tokens fossem emitidos via plataformas regulamentadas. Dessa forma, a integração entre inovação tecnológica e segurança jurídica foi fortalecida.
Crise institucional e riscos à continuidade da agenda digital
Apesar dos avanços, o cenário futuro entre CVM e ativos digitais enfrenta incertezas. Uma carta pública, assinada por vinte diretores da CVM, criticou a proposta de transferir competências da autarquia para o Banco Central. Tal medida, prevista em uma PEC, excluiria a CVM da regulação da indústria de fundos.
A carta alerta para o esvaziamento institucional da CVM, especialmente diante da falta de participação no debate. O texto argumenta que qualquer reforma estrutural deve ocorrer com diálogo entre os órgãos envolvidos. Segundo os signatários, o fortalecimento do sistema financeiro exige autonomia técnica e recursos adequados para as instituições reguladoras.
Outro ponto de preocupação diz respeito ao orçamento. Em 2024, a CVM recebeu apenas 27% dos R$ 1,1 bilhão arrecadados com taxas de fiscalização. O desequilíbrio entre as demandas regulatórias e os recursos disponíveis ameaça a continuidade da agenda digital iniciada na gestão de Nascimento.
Transição e próximos passos
Otto Lobo, membro mais antigo do colegiado da CVM, assumirá a presidência interinamente a partir de 21 de julho. Até que o presidente Lula indique um novo nome, a CVM enfrenta o desafio de manter a estabilidade regulatória, especialmente na agenda entre CVM e ativos digitais.
Ao mesmo tempo, a autarquia deve lançar duas consultas públicas ainda em 2025. A primeira busca revisar a Resolução CVM 88. A segunda propõe uma norma experimental com base em testes realizados no sandbox regulatório. Ambas refletem o compromisso de manter a inovação regulada, mesmo diante das mudanças no comando.
Conclusão
A renúncia de João Pedro Nascimento representa uma inflexão importante na relação entre CVM e ativos digitais. Sua gestão deixou avanços significativos na regulação do setor, mas também expôs fragilidades estruturais da autarquia. O futuro dessa agenda dependerá da escolha do novo presidente e do apoio institucional para garantir a continuidade das reformas iniciadas.