Bitcoin e a economia subterrânea: uma nova realidade global
A crescente influência do Bitcoin e da economia subterrânea vem, portanto, gerando uma mudança significativa no equilíbrio do sistema financeiro mundial. Nesse contexto, o economista Ken Rogoff, ex-economista-chefe do FMI e professor da Universidade de Harvard, destaca em seu novo livro que o uso de criptomoedas não apenas vem aumentando, mas também se expandindo de forma expressiva em setores informais da economia. De acordo com ele, o dólar, que há décadas reina como principal meio de troca nesse espaço, está gradualmente sendo substituído por criptoativos — sobretudo pelo Bitcoin.
Embora o uso de criptomoedas na economia legal ainda seja limitado, sua presença é cada vez mais significativa em operações de evasão fiscal e atividades fora do radar das autoridades. A economia subterrânea global, segundo estimativas do Banco Mundial, representa cerca de 20% do PIB global — aproximadamente US$ 20 trilhões. A substituição gradual do dólar por criptos como o Bitcoin nesse ambiente já é considerada um vetor de impacto nas condições macroeconômicas globais.
A fuga do dólar: evasão fiscal, sanções e descentralização
Rogoff argumenta que o avanço do Bitcoin na economia subterrânea está diretamente vinculado à busca por anonimato e, além disso, à ausência de fronteiras regulatórias. Por essa razão, muitos países submetidos a sanções econômicas pelos Estados Unidos — como Rússia, Irã e Coreia do Norte — recorrem às criptomoedas não só como uma resposta, mas também como alternativas viáveis ao sistema financeiro internacional dominado pelo dólar. Com isso, essa movimentação permite que governos e empresas nesses países consigam driblar restrições e, consequentemente, mantenham o fluxo de comércio exterior.
Além disso, indivíduos e empresas buscam nas criptomoedas uma forma eficiente de evitar impostos, taxas bancárias e controles estatais. Como resultado, a demanda global por dólares em transações não oficiais vem diminuindo. Essa queda de demanda reduz a liquidez global do dólar e pressiona os juros americanos, já que o “privilégio exorbitante” dos EUA como principal emissor de moeda reserva é um fator chave que mantém os custos de financiamento baixos.
Rogoff critica a visão de economistas como Paul Krugman e Nouriel Roubini, que enxergam pouca utilidade no Bitcoin. Para ele, ignorar o papel das criptos na economia paralela é negligenciar uma das forças emergentes mais importantes do cenário monetário global.
O Bitcoin como hedge frente ao enfraquecimento do dólar
Outro fator que reforça o papel do Bitcoin é sua crescente correlação inversa com o dólar. A recente valorização do Bitcoin ocorreu paralelamente à queda do índice DXY, que mede a força do dólar frente a outras moedas. Conforme explicou Victor Alfa, Head de Conteúdo do DeFiverso, o Bitcoin tem se comportado como um hedge direto contra a valorização do dólar.
Dados indicam que, desde 2020, o Bitcoin responde de forma inversa ao DXY. Para cada 1% de aumento no índice, o Bitcoin tende a cair cerca de 1,59%. No entanto, quando o dólar se enfraquece, o criptoativo tende a valorizar-se com mais força. Esse comportamento atrai investidores em busca de proteção contra a instabilidade cambial e fiscal, tornando o Bitcoin uma alternativa estratégica de alocação de capital.
O impacto da política monetária e da confiança no sistema
A instabilidade crescente na política fiscal dos Estados Unidos também influencia a valorização do Bitcoin. Após o rebaixamento da nota de crédito do país pela Moody’s, investidores reagiram com cautela, abandonando os títulos do Tesouro em busca de ativos mais seguros ou menos expostos à política monetária americana.
O boletim da Ecoinometrics aponta para uma disparidade nos rendimentos de títulos de curto e longo prazo, o que reflete a incerteza quanto às próximas decisões do Federal Reserve. Além disso, a expectativa de déficits fiscais maiores, aliada à queda na confiança nos leilões de títulos, tem provocado uma alta consistente nos rendimentos de longo prazo. Diante desse cenário, os investidores passam a buscar alternativas fora do escopo tradicional — e, nesse sentido, o Bitcoin surge como um candidato natural.
A percepção de que o dólar já não oferece a segurança de antes acelera essa mudança. O interesse por ativos como ouro, moedas digitais estatais e stablecoins aumenta, enfraquecendo ainda mais o domínio do dólar.
Consequências macroeconômicas do avanço do Bitcoin
O avanço do Bitcoin na economia subterrânea traz impactos diretos sobre a política monetária, as relações comerciais internacionais e até sobre a geopolítica. A redução na demanda global por dólares afeta a capacidade dos EUA de financiar seu déficit com baixos custos. Isso também influencia negativamente o valor dos ativos denominados em dólar.
Além disso, a descentralização promovida pelas criptomoedas desafia estruturas tradicionais de poder financeiro. O uso de redes blockchain por governos, empresas e indivíduos altera a lógica de controle monetário. Essa transformação pode se intensificar caso o uso das criptos se torne mais comum também na economia legal.
Países como a China já investem fortemente em alternativas ao sistema liderado pelos EUA, como o yuan digital. A combinação entre criptomoedas privadas e moedas digitais estatais pode inaugurar uma nova era monetária, em que o dólar deixaria de ser o centro exclusivo das finanças globais.
Conclusão: uma nova ordem financeira à vista?
O papel do Bitcoin na economia subterrânea é cada vez mais relevante. Longe de ser um fenômeno marginal, trata-se de um movimento estrutural que afeta profundamente a economia global. A queda da demanda por dólares, a valorização do Bitcoin e a busca por reservas alternativas indicam que uma nova ordem financeira pode estar em formação.
Embora o Bitcoin ainda enfrente desafios como volatilidade e resistência regulatória, seu crescimento contínuo sugere que ele já se consolidou como uma alternativa legítima em tempos de incerteza. Estar atento a esse processo é fundamental para entender as transformações em curso no sistema monetário mundial.