Nos últimos meses, as importações francesas de gás natural liquefeito (GNL) proveniente da Rússia têm crescido substancialmente, desafiando os esforços da União Europeia (UE) para reduzir sua dependência energética de Moscou, especialmente em um momento em que o bloco tenta cortar os fluxos financeiros que podem ajudar a financiar a guerra na Ucrânia. Essa tendência tem gerado críticas por parte de apoiadores da Ucrânia, que clamam por sanções mais rígidas contra os combustíveis fósseis russos.
Segundo uma nova análise de dados comerciais, as remessas de GNL russo para a França mais do que dobraram no primeiro semestre de 2024 em comparação com o mesmo período do ano anterior. Esse aumento ocorre em um contexto onde a Europa conseguiu restringir significativamente as importações de petróleo da Rússia, mas ainda enfrenta desafios na contenção das compras de gás natural, um recurso vital para o aquecimento e a indústria em vários países do bloco.
Embora a Europa tenha imposto sanções severas contra o petróleo russo, o gás natural, particularmente o GNL, continua sendo importado, e a França tem se destacado como um dos maiores compradores desse produto. De fato, uma análise recente revelou que, no primeiro semestre deste ano, as importações de GNL russo pelos países da UE aumentaram 7% em relação ao ano anterior, com a França liderando essa demanda.
Críticas à Continuidade das Importações de GNL Russo
Oleh Savytskyi, fundador da organização não governamental Razom We Stand, criticou duramente essa dependência contínua do gás russo. Segundo ele, o objetivo da UE de eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis russos até 2027 está “seriamente comprometido”. Ele argumenta que os países que continuam comprando GNL russo estão não apenas sabotando a transição energética do continente, mas também contribuindo financeiramente para o esforço de guerra da Rússia.
Os governos europeus têm justificado a continuidade dessas importações alegando que uma proibição total das compras de gás russo levaria a um aumento drástico nos custos de energia, o que poderia prejudicar tanto os consumidores quanto as indústrias que dependem desse insumo.
A análise que revelou esses dados foi conduzida pelo Institute for Energy Economics and Financial Analysis (IEEFA), uma organização sem fins lucrativos dos EUA, em colaboração com a Kpler, uma empresa especializada em monitoramento de transportes marítimos, e o ICIS, um fornecedor de dados sobre commodities. De acordo com o IEEFA, as empresas francesas importaram quase 4,4 bilhões de metros cúbicos de GNL russo no primeiro semestre de 2024, em comparação com mais de 2 bilhões de metros cúbicos no mesmo período do ano anterior. No entanto, enquanto as importações francesas aumentaram, a Espanha e a Bélgica mostraram uma estabilidade ou ligeiro declínio em suas compras.
Justificativas e Impactos Econômicos
A TotalEnergies, gigante francesa da energia, é responsável pela maior parte dessas importações. A empresa alega estar vinculada a contratos assinados antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, e afirma que a continuação das compras é necessária devido a problemas de logística causados por ataques de rebeldes Houthi a navios que atravessam o Canal de Suez, o que dificultou a chegada de gás do Oriente Médio à Europa.
O governo francês também tem defendido sua posição, destacando que a França é um dos principais pontos de entrada de GNL na Europa, compartilhando essa posição com a Espanha, que possui o mesmo número de terminais de GNL.
Apesar do aumento nas importações de GNL russo, a demanda interna de gás na França caiu 9% no primeiro semestre de 2024, em comparação com o ano anterior. Ao mesmo tempo, as exportações de gás francês para a Bélgica aumentaram quase 10%, o que levanta questões sobre a real necessidade dessas importações extras de GNL russo.
Implicações para a Segurança Energética Europeia
O maior projeto de GNL da Rússia, localizado na Península de Yamal, no Ártico, continua a ser uma importante fonte de gás para a Europa. A TotalEnergies, que detém 20% de participação nesse projeto, está legalmente comprometida a comprar 4 milhões de toneladas de gás anualmente. A empresa argumenta que só interromperá essas compras se novas sanções forem impostas pela UE.
No entanto, críticos como Savytskyi continuam a pressionar por um embargo total ao gás russo, argumentando que as empresas europeias, especialmente a TotalEnergies, não deveriam ter permissão para manter a Europa dependente do gás de Moscou. Para ele, a continuidade dessas importações é um obstáculo à independência energética da Europa e perpetua a capacidade da Rússia de financiar sua guerra na Ucrânia.
O Futuro da Política Energética Europeia
O debate em torno das importações de GNL russo levanta questões cruciais sobre o futuro da política energética da UE. À medida que o bloco busca reduzir sua dependência de combustíveis fósseis e fortalecer sua segurança energética, será essencial equilibrar a necessidade de suprimentos confiáveis de energia com o compromisso de cortar os laços econômicos com a Rússia.
A situação destaca a complexidade de implementar sanções econômicas eficazes em um cenário global interdependente, onde questões de segurança energética, economia e geopolítica estão intrinsecamente ligadas. A resposta da Europa nos próximos meses será fundamental para determinar o sucesso de sua estratégia de longo prazo para garantir uma transição energética justa e segura.