No início do mês passado, depois das quedas nas bolsas americanas, mas depois de um payroll “amigável”, recomendamos “buy the April dip!”, o que acabou funcionando bem, com o S&P 500 e o Nasdaq subindo, respectivamente, 4,5% e 5,5%.
Mas o início do verão no hemisfério norte, o que normalmente leva a mercados menos voláteis, também tem trazido alguns comportamentos preocupantes.
Antes de listar as preocupações, vale notar que, do ponto de vista dos fundamentos, as notícias não têm sido negativas. Em geral, temos visto dados de atividade mais fracos nos EUA, o que tem aliviado temores sobre um cenário de “no landing”. A melhor forma de ver isso é o nowcasting do Fed de Atlanta, que por construção estima a contribuição condicional de todos os dados divulgados para prever o PIB do trimestre corrente. No início de maio, o dado apontava para um PIB trimestral anualizado acima de 4%, mas agora está estimando 1,8% para o segundo trimestre, e isso depois de um resultado abaixo do esperado de 1,3% para o primeiro trimestre.
O que precisamos agora para fortalecer a tese do “soft landing” seriam boas notícias no campo inflacionário, mas aqui ainda há algumas dúvidas.
A verdade é que a inflação ao redor do mundo está atolada acima dos patamares desejados pelos bancos centrais. Os economistas do JP Morgan calculam a média global dos núcleos em 3,4% ao ano, e questionam o otimismo da maioria dos bancos centrais em atingir suas metas até o final de 2025, especialmente quando o impacto contracionista da política monetária se dá mais pela mudança do que o nível de juros, de tal forma que, com o passar do tempo, os efeitos se enfraquecem.
Mas há uma vontade palpável dos bancos centrais em ou já cortar os juros – caso do ECB e Bank of Canada – ou sinalizar que isso deve acontecer em breve – caso do Bank of England e o Fed. Por acreditar que a postura monetária está em “campo contracionista”, a única questão que permanece é o timing e profundidade do ciclo de afrouxo.
Esse quadro econômico não é sem riscos, mas, no seu conjunto, ainda é positivo para os mercados de risco. Principalmente pelo fato que, por exemplo, se houver uma queda mais acentuada no nível da atividade, os bancos centrais podem cortar rapidamente a taxa de juros. E nos EUA pelo menos o cenário adverso parece ser uma desaceleração mais acentuada da atividade do que uma reaceleração. E a única “bomba atômica” certeira contra a bolsa americana seria uma ameaça crível de alta de juros adicionais.
Voltando agora às preocupações. A temática da inteligência artificial continua a dominar os mercados, mas agora com uma ainda maior concentração em uma única empresa: a Nvidia.
Uma coisa bastante estranha aconteceu com a divulgação dos excelentes resultados da empresa em maio: nas quatro seções seguintes, a ação da Nvidia subiu 20% enquanto o S&P 500 caiu 0,75%. Parece que estamos saindo de uma bolsa liderada pelos “magnificent seven” para uma bolsa “magnificent one”.
Os níveis de concentração de performance estão aumentando. A razão entre o S&P 500 com ponderação igual entre as ações e uma ponderação por valor de mercado atingiu níveis menores do que em 2020 e 2008, episódios de recessão onde os investidores fogem para ações com características de “qualidade” (receitas não cíclicas, pouca alavancagem), vendendo as “small caps” e outras ações mais expostas ao ciclo econômico.
Seria essa concentração um indicativo de que o risco recessivo está aumentando? Seria fácil correlacionar a concentração da performance da bolsa com a queda nas projeções do PIB, mas a verdade é que outros indicadores – como o spread dos títulos de high yield ou o formato da curva de juros que continua invertida – não apontam para uma probabilidade maior de recessão, muito ao contrário.
Por que se preocupar agora com isso, afinal a maior concentração tem disso uma característica desde o lançamento do ChatGPT que iniciou o atual ciclo de mercado ligado à temática AI?
Um excesso de concentração aumenta de forma endógena o risco do mercado. Uma dependência maior em uma só ação implica que qualquer notícia negativa sobre a Nvidia pode ter um efeito devastador para o mercado.
Há outra explicação para esse “samba de uma nota só” que virou o mercado americano.
O fato que outras ações ligadas à temática AI não terem conseguido acompanhar a performance da Nvidia pode indicar um crescente ceticismo com o potencial transformador do AI para a economia como um todo. Pense, por exemplo, no mau desempenho da Meta quando houve a divulgação de seus resultados, superando as expectativas do mercado, mas com a ação caindo quando ela aumentou sua previsão de investimentos em AI.
Assim podemos estar desenhando um quadro onde há uma empresa (quase) monopolística – a Nvidia – extraindo lucros “supernormais” do resto do mercado/da, que é forçado a investir pesadamente sem ter um horizonte certo de retorno para estes investimentos. Talvez não por acaso, o Wall Street Journal publicou uma matéria no final de maio intitulada “The AI Revolution is already losing steam” que toca nesse tema.
Coloco isso como tese – não acho que há elementos suficientes ainda para afirmar que é isso que está ocorrendo. Ainda assim, na medida que essa tese se confirma, não é uma receita para um mercado em tendência de alta.
O que fazer então? Historicamente, pelos cálculos da Morgan Stanley, quando o mês de maio fecha tão forte como fechou, em oito dos noves casos o mês de junho foi positivo, com uma variação média de 1,4%.
E depois de tocar a média móvel de 50 dias, o S&P 500 viu forte alta no último dia de maio, mostrando o mercado ainda em modo “buy the dip”. E as expectativas do mercado para o payroll de maio na próxima sexta-feira, se confirmadas, devem fortalecer a tese do “pouso suave”.
Assim me parece que um engajamento construtivo ainda continua a ser a melhor estratégia, só que com menos agressividade que a do mês passado, analisando de perto a performance relativa da Nvidia contra o resto do mercado.
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